Neurologista CRM 770

Um Passeio pela América

 

Em outubro de 1979 chegamos a Winston-Salem, North Caroline. Havia escolhido este local por causa de serviço e dos trabalhos ali realizados e publicados pelo Prof James Toole, Professor Chefe de Neurologia da Wake Forest University, na área de meu maior interesse, as doenças vasculares cerebrais (DVC).

Já de início fiquei empolgado porque o principal assistente, Prof Lawrence McHenry foi nos esperar no aeroporto e nos levou para um hotel, mostrando-nos a pequena e bela cidade e seus pontos principais. Falou-me do Prof Toole e dos trabalhos em andamento.

No dia seguinte me recepcionou no hospital e me levou ate o gabinete do Prof Toole.A recepção foi calorosa. O professor estava encantado por um brasileiro se interessar por conhecer seu serviço. Perguntou-me se Goiânia era perto de Lima (Peru) a única cidade sulamericana que conhecia.

Na parede se sua sala tinha um mapa-mundi onde ele marcava as cidades de onde proviam seus estagiários e visitantes. Deu-me um marcador para que eu identificasse Goiânia. E eu não achei no mapa!!. Ele riu e disse “ não está no mapa”? Eu fiquei constrangido mas logo percebi o que acontecera: o mapa era velho e colocaram o nome de Brasilia posteriormente, com isso o nome de Goiânia ficou tampado. Mas não sei se minha explicação convenceu o chefe.

Na primeira semana aluguei um quarto num pequeno hotel próximo do hospital. A senhoria me disse que um brasileiro tinha estado ali meses antes. Era o radiologista Prof. Aloisio Ramos de Oliveira coincidentemente da minha mesma Universidade Federal de Goiás, que havia sido meu professor e era agora meu colega docente.

O serviço era bem movimentado, muitos casos de DVC foram discutidos e as condutas mais atualizadas me foram apresentadas. Prof. Toole fez questão que eu conhecesse o Serviço de Ultrassom, um dos mais modernos dos Estados Unidos. Alí assisti exames de Echocardiograma que me impressionaram pela nitidez das imagens do coração, onde se visualizava suas cavidades e válvulas em funcionamento. Pensei em como seria útil na avaliação dos corações chagásicos.

Ao mostrar meu material de neurocisticercose, o Prof. Toole marcou uma reunião com todo o staff e quando então fiz a apresentação. O público se mostrou interessado com várias perguntas. Lembro-me do Prof. Kinfy Penry, um dos autores mais notáveis em epilepsia, perguntar-me sobre as manifestações epilépticas da neurocisticercose.

Como era uma cidade pequena, as relações foram mais estreitas. Larry McHenry ficou próximo, acompanhou-me pelas visitas e convidou-nos para um jantar em sua casa. Era um sobrado amplo, no meio de um bosque, cercado de árvores altas. Ali fiquei sabendo que Larry colecionava livros históricos de Neurologia. Mostrou-me sua coleção mas recomendou que não devesse tocar nos exemplares mais antigos pelo risco de romper as folhas. Tinha um exemplar magnífico: um livro original do anatomista francês Vicq d’Azyr em que os desenhos anatômicos do cérebro tinham sido feitos a mão e ainda mantinha as cores vivas. Ali estava a ilustração de trato de Vicq d’Azyr descrito pelo autor.

Sua esposa Kathy foi muito simpática com a Ilneyda. Contou que era da Philadelphia, havia se casado com Larry em segundas núpcias e havia se mudado para Winston-Salem por causa disto. Era chefe de moda de um grande magazine local. Gostou da roupa da Ilneyda e a convidou para visitar sua loja. Os filhos do casal, entre 10 e 15 anos, sabendo que eu era brasileiro logo entraram em assunto de futebol e perguntaram se eu jogava. Dizendo que sim, levaram-se até o gramado fora de casa e me fizeram demonstrar minhas habilidades. Apesar de alguns anos sem praticar, fiz umas matadas de bola, embaixadas, chutes de curva e eles ficaram satisfeitos.

Uns dias depois, a Ilneyda foi até o magazine e a Kathy a fez desfilar para o pessoal que ali trabalhava para demonstrar como o fazer e se vestir com elegância.

Na outra semana foi o jantar com o Prof. Toole numa bela residência, onde fomos recepcionados por ele e sua esposa Nancy. Foi um bom momento, um bom papo e uma boa refeição. Terminado o jantar, o casal nos levou para conhecer a residência e parando na porta de saída, a abriu e se despediu de nós, agradecendo a visita.

Ilneyda e eu, num carro Ford alugado, mais simples que o Dodge de Boston, fizemos um passeio fora da cidade na Wake Forest, com um cenário deslumbrante pela coloração das árvores durante o verão. Pudemos assistir a uma pequena apresentação de música country num palco no meio da floresta.

Outro passeio, este já tradicional, foi ao centro velho da cidade, o Old Salem. Ai se mantem as construções originais da criação da cidade e as pessoas que lá trabalham se vestem como nos tempos de sua fundação. Ali se passa a conhecer que aquele local foi fundado por um grupo de emigrantes europeus, que perseguidos religiosos, vieram para os Estados Unidos. Deixaram os navios na costa e entraram pela terra da nova pátria. Pararam onde encontraram melhores condições e ali construíram suas casas. Acontece que eles não conheciam a região e o clima. Entraram em luta com os índios. Nos primeiros invernos muitos morreram de inanição porque perderam as plantações e os índios não os deixavam sair de casa. Os sobreviventes, com este duro aprendizado, passaram a se preparar para o inverno. Construíram grandes galpões onde foram armazenando alimentos e fizeram cisternas ali dentro. Toda esta história está ali demonstrada e conservada.

O Prof. Toole nos convidou para um passeio em Washington DC. Ele ia a uma reunião do Institute of Medicine dos Estados Unidos. Fomos para o aeroporto local e nos esperava o Prof. e o piloto, que era um neurocirurgião, numa aeronave de 4 lugares. Foi tudo bem até chegar ao aeroporto de Washington: o vento não deixava o pequeno avião avançar. Percebi o piloto um tanto apreensivo mas logo conseguimos aterrissar. O piloto deu uma bronca no funcionário do aeroporto que lhe forneceu o trajeto errado para descer, por isso a dificuldade toda.

Por um táxi demos uma volta por pontos turísticos de Washington e passamos meio dia nos museus Smithsonian muito interessantes e instrutivos.

Fomos nos encontrar com o Prof. Toole no Institute of Medicine e lá chegando o recepcionista disse que deveríamos entrar. Ficamos muito constrangidos porque estávamos com trajes simples e o pessoal lá todo engalanado. O Institute of Medicine é uma instituição que congrega os médicos mais influentes dos Estados Unidos. A esposa do Prof. McDermott, co-editor do livro  Cecil’s Textbook of Medicine,  veio conversar conosco e contou que morara algum tempo em São Paulo. O Prof. Toole veio então ao nosso encontro e nos apresentou a outros convivas ilustres, inclusive reitores de algumas universidades.

Saímos para o aeroporto no início da noite. O piloto neurocirurgião estava enrolado com um problema no avião e um mecânico estava terminando o conserto. Ilneyda ficou muito insegura a viagem toda, mas felizmente não houve nenhum incidente. Foi bonito ver a paisagem à noite, com as casas iluminadas no meio dos bosques.

No último fim de semana em Winston-Salem, o Prof. Toole nos convidou para assistir a um jogo de football americano, em que um dos times era da Wake Forest University disputando o campeonato universitário contra um time do Alabama. O estádio estava lotado, as torcidas muito animadas. Eu não entendia nada do jogo, apenas via aquele monte de jogadores trombando uns com outros. Praticamente uma só jogada, o líder lançando um dos avantes que corria até a linha final do campo: se a atravessa é gol. Para evitar a conclusão então aquela correria e as trombadas. Às vezes, não sabia porque, o juiz parava o jogo e um jogador dava um balão para a bola passar por cima da trave: outro tipo de gol. O mais curioso foi que, numa das faltas, saia um time inteiro e entrava outro só para executar uma jogada ensaiada. O time local venceu e foi uma festa.

Depois de 1 mês em Winston-Salem, nos despedimos dos novos amigos. O Prof. Toole eu veria no futuro, inclusive em São Paulo, onde ele veio como Presidente da World Federation of Neurology. O Larry não o encontrei mais porque faleceu pouco tempo depois. A Americam Academy of Neurology, para a qual ele doou seu acervo histórico, criou um prêmio para o melhor trabalho de história de Neurologia, o prêmio Lawrence McHenry.

Nestes 3 meses houve aprendizado e atualização que me asseguraram segurança e trabalho   de alto nível pelos tempos seguintes, beneficiando meus pacientes. Consegui transmitir estes novos conhecimentos aos meus colegas do Instituto de Neurologia de Goiânia, aos do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFG, aos alunos e residentes.

O que nos castigou muito neste período foi a saudade dos filhos, embora tivessem ficado muito bem cuidados, com extremo carinho, pela minha irmã Giselda e meu cunhado e padrinho Guaracy, a quem ficamos eternamente gratos.

Por isso nunca mais ficamos longe deles por tanto tempo.

Wake Forest University

 

 

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