Dissecção de artérias cervicocranianas como causa de Acidente Vascular Cerebral
A incidência de acidente vascular cerebral está aumentando na população abaixo de 50 anos de idade, especialmente os de natureza isquêmica (AVCI) (40% nas últimas décadas). Isto se deve ao aumento de fatores de risco que estão ocorrendo em jovens: hipertensão arterial (4 a 11%), obesidade (4 a 9%), diabetes mellitus (4 a 7%), aumento de colesterol e triglicérides (12 a 21%), ao tabagismo (5 a 16%) e uso de drogas ilícitas e recreacionais.
Uma causa de AVCI que também tem crescido e que corresponde entre 5 e 20% dos casos na população jovem, é a dissecção de artérias do pescoço e crânio (cervicocranianas)
Estas artérias que nutrem o encéfalo originam-se da croça da aorta, dirigem-se para a base do crânio e penetram no seu interior através de orifícios naturais.
São 4 artérias, duas de cada lado. As carótidas ficam mais na frente e as vertebrais profundamente, rentes a coluna vertebral.
A dissecção arterial trata-se da ruptura da camada mais interna e o sangue penetra na parede da artéria. Forma-se então um hematoma na parede, o que estreita ou até entope a luz da artéria. Pode ficar só nisso ou o hematoma rompe para dentro da luz da artéria, formando um novo trajeto para a passagem do sangue (duplo lume).
Frequentemente a artéria assim lesada fica sujeita a formação de coágulos no seu interior, que se desprendem e são levados pela corrente sanguínea (êmbolos) em direção ao encéfalo e lá irão provocar obstrução de artérias menores. Vai faltar sangue (isquemia) em partes do encéfalo o que caracteriza o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI).
Menos comum, a parede da artéria pode romper e sangrar para fora e, se ocorrer dentro do crânio, provoca hemorragia intracraniana (acidente vascular cerebral hemorrágico, AVCH).
Com o passar dos dias o hematoma da parede vai sendo reabsorvido e a artéria volta ao seu calibre normal. A parede fica fragilizada naquele ponto com risco de sofrer dilatação que é o aneurisma dissecante.
A dissecção pode ser provocada por traumas no pescoço, mesmo de leve intensidade, por extensão, alongamento ou rotação brusca do pescoço. Assim podem ser causas: exercícios, práticas esportivas, fenômeno da ponta de chicote (movimento brusco de flexão e extensão do pescoço, por exemplo, quando bate um carro), manipulação para alongamento como quiropraxia. Extensão prolongada do pescoço como durante anestesia, tratamento odontológico, viajar em bancos reclinados, também são fatores de risco.
Em trabalho multicêntrico no estado de São Paulo publicado em 2016 (Fragoso et al. Arq Neuropsiquiatr 2016;74:275-279) descreveu-se 41 casos de dissecção em prática de exercícios e atividades esportivas .
Em boa parte não se identifica a causa da disseção e raramente há uma patologia pré-existente facilitadora como displasia fibromuscular, doenças do tecido conjuntivo, síndromes de Marfan e de Ehlers-Danlos.
As carótidas internas dissecam a 2 ou mais centímetros de suas origens e as vertebrais em qualquer parte de seus trajetos, mas principalmente no terço médio.
Dissecção de artérias intracranianas pode acontecer, são menos frequentes e mais difícil de serem demonstradas.
O quadro clínico se divide em 2 grupos de sintomas e sinais. Em primeiro lugar os sintomas locais, ao nível da disseção. O mais comum é a dor, aguda, forte a intensa, que costuma irradiar pelo trajeto da artéria. Quando é a carótida, a dor é na face lateral do pescoço do lado da dissecção e irradia para cima na fronte e têmpora. Se na vertebral, a dor é na face posterior do pescoço e sobe até a parte occipital do crânio; pode levar a posição antálgica o que confunde com dor muscular ou torcicolo. A dor é firme, poucas vezes pulsátil, dura dias até 2 semanas.
Em certa porcentagem de casos em que há comprometimento neurológico, por embolia ou baixo fluxo por estreitamento crítico ou por oclusão da artéria, o quadro clínico varia se é no território da carótida ou da vertebral. Pode ser uma manifestação transitória (ataque isquêmico transitório) ou prolongada, de intensidade variável de leve a grave. Na carótida pode haver paresia ou parestesia de membros contralaterais, paresia facial central, perda visual fugaz ou duradoura do lado da dissecção e distúrbio de fala se for da carótida esquerda.
Quando a vertebral é acometida, os sintomas são disfunção de tronco cerebral (disfonia, disartria, disfagia) ou de vias longas (paresia ou parestesia) e alterações visuais. É frequente haver vertigens, vômitos e desequilíbrio como nas labirintites.
O diagnóstico depende de alto grau de suspeita. O médico tem que pensar em dissecção quando um paciente jovem apresenta-se com este conjunto de sintomas e sinais aqui relatados. O diagnóstico é quase sempre confirmado pela angio-ressonância cervical e cerebral. A imagem de dissecção é muito sugestiva, mostrando a estenose ou oclusão vascular e a presença do hematoma na parede da artéria. Se houver AVCI, a imagem também vai mostrar a área encefálica com isquemia.
Felizmente a dissecção arterial nem sempre provoca AVCI, mas se diagnosticada tem que ser tratada de urgência para que evitar que isto aconteça. A busca imediata ao neurologista é a conduta recomendada.
Por Dr. Sebastião Eurico de Melo Souza